sábado, 19 de julho de 2025

Uma noite dessas, estive em mundos que não eram meus

Uma noite dessas, o sono não veio como de costume. Ele chegou diferente — arrastando correntes douradas e sussurrando palavras em línguas que minha mente desperta não compreende. Eu fechei os olhos, como quem apenas deseja descansar, mas despertei em outro lugar.

Não sei dizer se era um sonho, uma travessia ou um chamado. Só sei que, quando abri os olhos lá, o céu era roxo, pontilhado de luas dançantes, e o chão parecia pulsar, como se a terra tivesse um coração. Eu estava descalço, vestido com roupas que não eram minhas, e em volta de mim, criaturas feitas de vento sussurravam segredos que eu não tinha permissão para lembrar ao acordar.

Caminhei. Era tudo que podia fazer. A gravidade parecia funcionar por vontade própria, e cada passo me levava para uma realidade diferente.

Em um dos mundos, o tempo andava para trás. As pessoas nasciam velhas e iam ficando jovens até desaparecerem no ventre de suas mães. Vi uma mulher me cumprimentar com lágrimas nos olhos — ela jurava que me conhecia, e que eu já tinha salvado a vida dela ali, num tempo que ainda não tinha acontecido. Senti culpa por algo que ainda faria. Ou talvez já tivesse feito.

No segundo mundo, todos usavam máscaras. Não por medo, mas por excesso de sentimentos. Lá, as emoções eram visíveis como fumaça — quem amava demais, explodia em chamas. Quem odiava, congelava as plantas ao redor. Vi uma criança tirar a própria máscara só para sorrir pra mim... e em segundos, desapareceu como poeira de estrela.

No terceiro, não havia som — mas os pensamentos se materializavam no ar como pequenos insetos luminosos. Era impossível mentir ali. E talvez por isso, fosse também impossível ficar. As pessoas viviam isoladas, cercadas de suas próprias verdades dançantes, incapazes de suportar o peso de serem completamente vistas.

Passei por muitos outros lugares. Um onde a chuva cantava nomes. Outro onde os mortos dormiam em bibliotecas, esperando que alguém lesse suas histórias para acordá-los. Em todos eles, fui hóspede. Nunca anfitrião.

Até que, de repente, tudo escureceu. Ouvi uma voz suave dizer: “Já viu o suficiente. Agora é hora de lembrar quem você é.”

E acordei.

O quarto era o mesmo de sempre. As paredes, a janela, o barulho do mundo real tentando se impor. Mas eu sabia que algo em mim havia mudado. Na palma da mão, encontrei um pequeno grão de areia que brilhava — embora meu quarto estivesse trancado e limpo. Guardei aquilo em silêncio. Quem acreditaria?

Desde então, ando com uma desconfiança calma de que a realidade é só a superfície de um mar mais fundo. E que, às vezes, numa noite dessas, podemos escorregar por entre os véus do possível e visitar mundos que não são nossos — mas que, de algum jeito, nos pertencem.

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