Na mais alta instância do Judiciário brasileiro, onde se decide o destino de leis, liberdades e vidas, há uma cena que se repete com tranquilidade coreografada: ministros entrando no plenário, togados e solenes, enquanto assistentes cuidadosamente puxam as cadeiras para que eles possam se sentar com dignidade imperial.
Esses funcionários são conhecidos como “capinhas”, e sua função é tão simbólica quanto literal: empurrar cadeiras, vestir togas, servir café e acompanhar os ministros até suas poltronas de couro amarelo. Em pleno século XXI, no coração de uma República democrática, seguimos com rituais dignos de um tribunal absolutista.
A elite das cadeiras puxadas
Cada ministro do Supremo Tribunal Federal conta com ao menos um capinha exclusivo, somando onze funcionários dedicados exclusivamente a essa função cerimonial. Eles não são estagiários nem voluntários: são contratados, muitos via empresas terceirizadas, com salários que giram em torno de R$ 6.400 mensais.
Em um país onde o salário mínimo é de R$ 1.525,00, há quem ganhe quase cinco vezes isso para puxar uma cadeira e estender um tecido preto sobre os ombros de um magistrado.
Alguns ministros, como Luiz Fux e Alexandre de Moraes, preferem dispensar o ritual e puxar suas próprias cadeiras — um gesto mínimo de autonomia, mas que, nesse contexto, beira o revolucionário.
Pompa, símbolo e poder
A presença dos capinhas é defendida como parte da "liturgia do cargo", uma formalidade que reforçaria o prestígio e a solenidade da Corte. Mas a realidade nua e crua é que o gesto soa mais como caricatura do que como reverência.
Enquanto o cidadão comum enfrenta filas no SUS, processos judiciais que levam anos para se resolver e salários achatados, o STF desfila seus rituais de pompa como se estivesse blindado da realidade nacional.
Essa teatralidade não é apenas simbólica — é um reflexo de uma estrutura de poder desconectada da sociedade, onde o acesso ao Judiciário é cada vez mais limitado ao cidadão comum, e cada vez mais protegido para aqueles que o comandam.
Um Judiciário a serviço de quem?
Essa discussão não é sobre um simples gesto de cortesia. É sobre os privilégios de uma elite togada que se permite o luxo de viver cercada de protocolos que não servem à justiça, mas ao ego. É sobre a cultura da blindagem institucional, onde quem deveria dar exemplo de modéstia e serviço público vive cercado de símbolos de distinção aristocrática.
Estamos falando de uma Corte onde há auxílio-moradia, auxílio-livro, auxílio-educação, motoristas, seguranças e diárias generosas para qualquer deslocamento. E, no meio disso tudo, alguém pago para puxar a cadeira.
Hora de puxar o debate
É tempo de repensar as estruturas do Judiciário brasileiro — sua composição, seus ritos e seus privilégios. A toga deveria representar autoridade, não vaidade. O plenário, um espaço de serviço à nação, não um palco de encenações aristocráticas.
Porque, no final das contas, o que deveria pesar mais: o peso da cadeira… ou o peso da responsabilidade?
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