Divisão ainda pressupõe dois lados que se encaram. Fragmentação é pior: são estilhaços que já não se reconhecem como parte do mesmo corpo. E essa fratura não nasceu do acaso — ela vem sendo alimentada, explorada e normalizada pela polarização política dos últimos anos.
Quando a política deixa de ser escolha e vira identidade
Há dogmas, heresias, fiéis e excomungados. Quem muda de opinião é traidor. Quem questiona o próprio campo é inimigo interno. A política deixou de ser meio para organizar a vida coletiva e passou a definir quem é “gente de bem” e quem é “irrecuperável”.
A lógica do “nós contra eles” virou projeto
A polarização não é mais consequência. É estratégia.
Ela mobiliza emoções primárias — medo, raiva, ressentimento — porque essas emoções rendem votos, engajamento e poder. Quanto mais o país se odeia, mais fácil é governar pelo conflito permanente.
Cria-se um Brasil onde:
-
discordar vira crime moral
-
dialogar vira suspeita
-
ponderar vira covardia
E quem tenta ocupar o centro é esmagado pelos extremos, como se equilíbrio fosse sinônimo de omissão.
Instituições pressionadas, laços sociais rompidos
A fragmentação não fica só no discurso político. Ela escorre para tudo:
-
famílias rachadas
-
amizades desfeitas
-
ambientes de trabalho tóxicos
-
desconfiança generalizada
O brasileiro passou a olhar o outro primeiro para identificar em quem ele votou, antes de saber quem ele é.
Quando isso acontece, a nação deixa de ser comunidade e vira campo minado emocional.
A falsa sensação de vitória
Enquanto um grupo comemora derrotas do outro, o país como um todo perde:
-
perde tempo
-
perde foco
-
perde capacidade de pensar soluções reais
A polarização cria a ilusão de movimento, quando na verdade estamos girando em círculos — cada vez mais agressivos, cada vez mais cansados.
O risco real: um país que já não se reconhece
Quando o adversário político vira inimigo existencial, qualquer coisa passa a ser justificável: censura, exceção jurídica, linchamento moral, autoritarismo “do bem”.
E a história mostra, sem exceção, que sociedades que aceitam isso em nome da própria causa acabam vítimas do mesmo mecanismo que ajudaram a legitimar.
Ainda há saída?
Há. Mas ela exige coragem — não de gritar mais alto, e sim de baixar o tom.
Conclusão
A polarização não está apenas nos afastando politicamente — está nos descolando como nação. E quanto mais tardamos em reconhecer isso, mais caro será o conserto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário