sábado, 20 de dezembro de 2025

Quando a Anistia Vale para Assaltantes de Bancos e Sequestradores de Embaixadores, mas Não Vale para os Baderneiros de 08 de Janeiro de 2023.

A história brasileira tem uma curiosa elasticidade moral.
Ela se estica conforme o personagem, o contexto político e — sobretudo — o interesse do momento. O nome disso não é justiça. É conveniência.

O país que concedeu anistia a assaltantes de bancos, sequestradores de embaixadores e militantes armados, em nome da “pacificação nacional”, agora se apresenta como guardião inflexível da lei diante de um episódio de vandalismo político ocorrido em 08 de janeiro de 2023.

A pergunta é inevitável — e incômoda:
desde quando a régua moral do Estado passou a funcionar com pesos tão diferentes?

A anistia seletiva

A anistia no Brasil nunca foi um gesto puramente jurídico. Sempre foi política.
Foi concedida não porque crimes deixaram de ser crimes, mas porque o poder entendeu que olhar para frente era mais útil do que insistir no passado.

Assaltos a bancos foram relativizados.
Sequestros internacionais, enquadrados como “atos de resistência”.
Mortes e explosões, diluídas no discurso da luta por um ideal maior.

A lógica era clara: o contexto justificava os meios.

Hoje, curiosamente, essa mesma lógica foi enterrada — mas só para alguns.

08 de janeiro: crime, sim. Heresia, não.

Não há aqui defesa de vandalismo. Depredar patrimônio público é crime, ontem, hoje e amanhã.
Mas transformar baderneiros em inimigos ontológicos da democracia, enquanto o passado violento de outros grupos é tratado como capítulo romantizado da história, revela mais sobre o presente do que sobre o ato em si.

Não houve sequestro de autoridade estrangeira.
Não houve tomada armada do poder.
Não houve guerra civil.

Houve caos, vandalismo, irresponsabilidade e manipulação política de massa.

Ainda assim, o discurso oficial escolheu a via da excepcionalidade absoluta: penas máximas, narrativa épica do mal, demonização total — como se o país estivesse diante de um novo 1964 ao contrário.

O problema não é a punição. É a incoerência.

O Estado tem todo o direito de punir.
O que ele não tem é o direito de fingir neutralidade histórica.

Quando a anistia foi concedida a crimes graves do passado, o argumento era a reconstrução institucional.
Hoje, quando se discute anistia para os eventos de 2023, o discurso muda: fala-se em ameaça irreparável, em exemplo, em rigor pedagógico.

Ou a democracia é forte o suficiente para sobreviver a vândalos,
ou nunca foi tão sólida quanto se proclamou.

As duas coisas ao mesmo tempo não cabem no mesmo discurso.

Justiça ou narrativa?

O que está em jogo não é apenas punição. É narrativa.
É decidir quem será lembrado como criminoso comum e quem será elevado a personagem histórico “complexo”.

A anistia no Brasil sempre foi menos sobre justiça e mais sobre quem venceu a disputa simbólica do seu tempo.

E hoje, quem controla a narrativa controla também o perdão — ou a ausência dele.

O risco do precedente

Quando o Estado escolhe tratar eventos políticos com critérios morais móveis, ele abre um precedente perigoso:
o de que a lei não é igual para todos, mas ajustável conforme o alinhamento ideológico.

Isso não fortalece a democracia.
Isso a fragiliza.

Porque amanhã, com outro vento político, a régua muda de novo — e quem hoje aplaude o rigor pode ser o próximo a descobri-lo na própria pele.

Conclusão desconfortável

O Brasil já perdoou crimes muito mais graves em nome da estabilidade.
Recusar até o debate sobre anistia agora não é sinal de maturidade democrática — é sinal de medo.

Medo não do passado,
mas do que a comparação histórica revela.

E a história, quando mal resolvida, sempre cobra juros.

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