O retrato de um poder que veste terno, dirige SUVs e dita leis sem nunca sentar no Congresso.
Capítulo 1 – O Crime que Anda de Gravata
Não é mais o tempo do bandido escondido no morro, armado e sujo de pólvora.
O novo crime no Brasil usa perfume caro, mora em condomínio fechado e tem o número do vereador no celular.
A figura do miliciano evoluiu: o “dono do morro” virou “empresário do território”.
Enquanto o soldado aperta o gatilho nas vielas, o chefe assina contratos, negocia licitações e tira selfie em churrascos com políticos locais.
Hoje, o verdadeiro poder das milícias não está nas favelas, mas nos gabinetes e nas planilhas.
O tráfico foi bruto. A milícia é burocrática. E, por isso mesmo, mais perigosa.
Capítulo 2 – Onde Moram os Senhores da Nova Ordem
Os chefes das milícias não moram onde o sangue corre.
Eles preferem a vista panorâmica, o asfalto, o ar-condicionado.
Vivem em casas discretas, muitas vezes em bairros de classe média ou condomínios afastados — locais onde o “bom cidadão” acha que está seguro.
Alguns se tornaram tão sofisticados que já investem em imóveis de luxo e empresas de fachada, registradas no nome de parentes e laranjas.
Essas residências, quase sempre fora das zonas dominadas, funcionam como “escritórios invisíveis” — espaços de articulação com empresários, políticos, policiais e até religiosos.
O crime, aqui, não se esconde no beco: ele se esconde na formalidade.
Capítulo 3 – Por Onde Circulam os Intocáveis
Os chefões das milícias não se arriscam em becos, mas frequentam salões, restaurantes e gabinetes.
Circulam em carros de luxo, participam de reuniões políticas e financiam campanhas.
São vistos em eventos sociais, igrejas e reuniões comunitárias — sempre com o discurso pronto do “cidadão de bem que luta pela segurança”.
Em muitos casos, são eles próprios agentes públicos, ex-policiais, vereadores ou assessores de confiança.
Assim, circulam com a tranquilidade de quem sabe que a farda, a toga ou o crachá certo garantem mais proteção do que um colete à prova de balas.
Capítulo 4 – A Geografia da Impunidade
Enquanto o país debate quem deve ser o “culpado pela violência”, as milícias expandem seus domínios como uma empresa sem concorrência.
O Rio de Janeiro foi o laboratório.
Hoje, o modelo se espalha — copiando-se em cidades médias e capitais do Norte e Nordeste.
O método é simples e eficaz:
controlar o território, o voto e o comércio local.
Dominar o transporte, o gás, a internet e até os loteamentos.
No fim, o miliciano se torna o que o Estado deixou de ser: a autoridade, o cobrador de impostos e o dono da lei.
Capítulo 5 – O Estado Como Sócio Invisível
Não existe milícia sem Estado — ou melhor, sem o silêncio do Estado.
Muitos dos que deveriam combatê-las preferem negociar.
Há policiais que “fazem vista grossa”, políticos que “devem favores” e empresários que “pagam pela segurança”.
Essa teia cria uma blindagem moral e institucional tão sólida que transforma assassinos em “protetores comunitários”.
O resultado é perverso: o Estado vira sócio do crime, e o crime, por sua vez, veste a máscara da legalidade.
Capítulo 6 – A Sociedade que aplaude o algoz
O mais triste é perceber que parte da população vê nas milícias uma “ordem necessária”.
“Pelo menos eles impõem respeito”, dizem alguns.
É o triunfo da desesperança — quando o povo, cansado do caos, aceita o tirano em nome da paz.
Mas a paz comprada com medo é o mesmo tipo de paz que um carcereiro oferece a um preso:
silêncio, obediência e nenhuma liberdade.
Conclusão – Os Verdadeiros Chefões Não Precisam se Esconder
Os chefes das milícias moram entre nós — e talvez sejam até cumprimentados nas ruas como “gente de bem”.
Enquanto o soldado cai em confronto, o verdadeiro dono do esquema assiste pela TV, de dentro de um condomínio com piscina, assistido por advogados pagos com o dinheiro da extorsão.
A grande ironia é essa: o Brasil não teme mais o crime violento — teme o crime bem-vestido.
E enquanto continuarmos tratando miliciano como herói e o cidadão como suspeito, seguiremos vivendo num país onde o crime não precisa mais se esconder — porque já foi convidado para sentar à mesa do poder.