Semana curta e cansativa,
coração agitado, mente num turbilhão. Deus hoje resolveu me visitar. Ele tinha
um corpo franzino, rosto marcado pelo sol, mãos com sutil aspereza de quem
trabalhou pesado a vida toda e um cheiro de lavanda misturado com as cinzas de
um fogão de lenha. Ele falava de um jeito bonito e simples, arrastado e vindo
lá do Goiás. Vestia a melhor roupa que tinha, colorida, bem cuidada, mas
respingada da sopa que serviram antes da consulta. O sapato de algodão listrado
não combinava com a blusa florida… ah, mas Ele era Deus e podia tudo. Seus
olhos fugiam dos meus. Como podia Deus se fazer pequeno assim? Logo lembrei que
Ele sabe muito bem fazer isso. Lembrei que Ele foi homem, é pão e será sempre
grande, pequeno Deus. Parecia envergonhado, ansioso pela notícia, infelizmente
não tão boa. Estava cansado da viagem, da sala de espera lotada e de anos de
luta contra o câncer. Diante da grandeza à minha frente, aumentei minha
pequenez para que pudesse caber na menor brecha que ousei adentrar naquela
vida. A doença mudou, progrediu e voltou a judiar. Aquele remédio que tanto
cansava e nauseava aqueles poucos quilos tão frágeis se faria necessário mais
uma vez.
“Mas,
Dotô. Não diga isso.”
Seu
rosto se entristeceu e quanto me doeu ver Deus sendo gente ali diante de mim.
“D.
Socorro, não fica triste. O doutor aqui tem coração mole e pode chorar.”
Olhou
para mim e pude ver o brilho dos olhos sábios dizendo: “Vou chorar em casa,
para o senhor não olhar.”
Como
aquilo me engrandecia. Como pode Deus me visitar assim. Ali acabou meu cansaço.
Ali só coube emoção. Examinei aquele corpo pequeno. Coração forte e barulhento,
pulmões que sopraram em mim o sopro da vida e contemplei o mais belo sorriso
com as cócegas geradas ao palpar seu abdome. Pensava comigo o quanto eu queria,
com minha mão, retirar cada um daqueles tumores e ao mesmo tempo me emocionava
porque, com aquela visita, Deus retirava cada um dos meus, não físicos. Minha
prescrição seria o que menos importava ali, mas assim mesmo a fiz.
“D.
Socorro, vou prescrever aquele remédio chatinho, mas para tentar controlar a
doença da senhora.”
Humilde,
respondeu: “É o jeito.”
No
final de tudo, depois de eternos poucos minutos de graça, Deus olhou para mim e
disse: “Dotô, o resto pode estar doente e não prestar, mas meu coração é grande
e bom.” Ah, Deus! Que coração.
Já
emocionado, apenas pedi um abraço e agradeci por tudo aquilo. Ganhei mais.
Ganhei uma foto, um carinho no rosto e a certeza de que Deus sempre está comigo
e sempre me visita de diversas formas. Hoje Ele me visitou, me curou e me deu
força para continuar. Ironicamente, saiu daquela sala e falou: “Fica com Deus,
Dotô.”
“Estive
com Ele, D. Socorro.”
Autor: João
Carlos Resende Martins Medeiros Trindade
Médico – Barretos / SP