Maria Tereza Jorge Pádua - Fonte: O Eco
Se você necessita de uma licença do Ibama, ou dos órgãos ambientais
estaduais, para desmatamento ou para queimada, você a terá em menos de três
meses. Na verdade, se você desmata sem permissão, não há problema… em geral,
ninguém vai perceber. No entanto, se você quiser preservar formalmente uma
parte da sua propriedade, estabelecendo uma Reserva Particular do Patrimônio
Natural (as famosas RPPNs), vai ter que esperar três anos em média, e também
gastar muito dinheiro. Este é o absurdo que a burocracia e a legislação nos
apresentam com relação às RPPNs. Até consultas públicas são agora exigidas,
além de um emaranhado de outros papéis. Mas, vamos por partes.
O Ibama tem um decreto preparado,
para ser submetido ao Presidente da República, que é uma obra-prima de como
inviabilizar o estabelecimento de uma RPPN. Além da papelada usual exigida,
como requerimento, identidade, CPF, prova de quitação do ITR, o CCIR, termo de
compromisso, certidão de domínio privado, etc., etc., tudo com passagem prévia
pelo cartório e em duas vias, coisas estas que até fazem sentido, o coitado que
quiser criar uma RPPN tem de apresentar, também, "o memorial descritivo
dos limites do imóvel e também dos limites da área proposta, ambos
georreferenciados, indicando a base cartográfica utilizada e as coordenadas dos
vértices definidores dos limites, assinado por profissional habilitado, com a
devida anotação de responsabilidade técnica". Deu para entender? Imagine o
problema para um simples proprietário rural ou até mesmo para um grande fazendeiro!
E ainda tem que pagar? Quer dizer
que, para preservar uma parte de sua fazenda, que é um objetivo do Governo, o
proprietário vai ter altas despesas? Ele deveria, isso sim, ser tratado com
tapete vermelho pelo Poder Público e este mesmo poder deveria encontrar meios
para incentivá-lo, simplificando ao máximo os requisitos e trâmites, sem custo
nenhum para o proponente.
Pensam que é só isso? Não, tem
mais e muito mais. Atualmente, para se criar uma RPPN, que é em terras
privadas, é preciso fazer consulta pública. Na prática, qualquer cidadão pode
desmatar e plantar soja em centenas de hectares sem solicitar permissão
nenhuma, mas, para proteger a natureza, deve consultar todo mundo. Parece que
estamos em um país de dementes. Quem quiser preservar tem de consultar o
público sobre o que fazer em sua propriedade! Não parece extraordinariamente
difícil realizar esta consulta pública, pois o que o particular tem de fazer é
só divulgar no Diário Oficial a intenção da criação da RPPN e "disponibilizar
na Internet" (o projeto de decreto não especifica como isso deve ser
feito), por um prazo de 20 dias, informações sobre a RPPN proposta, para
conhecimento do público. O texto do projeto tampouco discrimina o que
acontecerá se algum vizinho ou alguns cidadãos se opuserem à criação da nova
RPPN. Em uma nação onde se exige opinião de outros para que alguém possa
preservar a natureza na sua propriedade, tudo pode acontecer!
Mesmo resolvido o problema da
consulta pública, subsistem muitos outros. Se a RPPN, depois de vistoriada - só
Deus sabe quando e por quem - for agraciada com o reconhecimento do Poder
Público, ainda precisa de muita coisa. Talvez o mais difícil e caro seja fazer
o plano de manejo, que deverá ser aprovado pelo órgão ambiental competente. O roteiro
metodológico do Plano de Manejo para Reservas Particulares do Patrimônio
Natural, já divulgado pelo Ibama, tem 76 páginas e é coisa para entendidos. Ou
seja, o proprietário deverá contratar especialistas, possivelmente muito caros
e que muitas vezes serão egressos do Ibama ou de agências estaduais.
Como é possível que se acredite
que vá existir algum trouxa que queira fazer todo este trâmite e gastar muito
dinheiro somente para ter um título de Reserva Particular do Patrimônio Natural
em sua propriedade ou em parte dela? É uma pena, pois se havia um projeto de
governo para a conservação da natureza que vinha dando certo, com a
participação do setor privado, era este. Tanto é verdade que, nos seus 14 anos
de existência, foram criadas aproximadamente 500 RPPNs, totalizando cerca de
600 mil hectares. E esses proprietários têm investido milhões de reais de seus
bolsos, em forma de terra e de infra-estruturas de proteção e visitação.
Lembrando, finalmente, que os
proprietários que fazem RPPNs estão sacrificando a exploração de suas
propriedades, em caráter de perpetuidade, para proteger um bem público que
fornecerá serviços ambientais gratuitos para a sociedade, este projeto de
decreto, que deforma a lei em que se fundamenta e que ridiculariza a política oficial,
é uma monstruosidade. Se a presente minuta de decreto for aprovada na sua
versão atual, será, na verdade, a decretação do fim das Reservas Particulares
de Patrimônio Natural no Brasil.
Autora: Maria Tereza Jorge Pádua
Fundadora da
Funatura, membro do Conselho da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza e
da comissão mundial de Parques Nacionais da UICN. http://www.redeambiente.org.br