Quando o historiador
do futuro estudar a nossa época e os intermináveis golpes que vitimaram nossa
democracia, nossos direitos sociais, nossas garantias individuais, esse
estudioso, vivendo, espero eu, num Brasil próspero, com justiça social e
respeito às liberdades, irá se deparar com este curioso episódio em que a
figura mais poderosa do país foi derrotada por um frágil blogueiro de esquerda.
Tenho
escrito frequentemente, aqui no blog, pensando nesse historiador imaginário, no
qual deposito muitas esperanças de que use nossos erros, angústias e injustiças
para delas extrair lições para o seu próprio tempo.
Nesta
quinta-feira 23 de março, o juiz Sergio Moro assinou um divertido atestado de
sua derrota perante a blogosfera. Ele divulgou um despacho incrivelmente
confuso, em que tenta explicar, sem sucesso, as razões pelas quais mandou
sequestrar Eduardo Guimarães, editor do blog Cidadania.
O
despacho parece um texto do blog Antagonista: mal escrito, mal educado,
desequilibrado, quiçá criminoso, por conter uma ou mais injúrias; totalmente
incompatível, enfim, com o que se espera de um magistrado.
Sergio
Moro recuou em função das pressões vindas das redes sociais e da blogosfera.
Para disfarçar, ele menciona apenas o manifesto da Abraji, uma entidade
jornalística controlada pela Globo. Mas a Abraji foi justamente a última a
publicar um manifesto – de resto muito tímido – em repúdio ao sequestro de
Eduardo Guimarães, e o fez, naturalmente, após o enorme volume de manifestações
nas redes sociais.
Qual
foi o recuo de Moro? Ele “desquebrou” os sigilos telefônicos e eletrônicos de
Eduardo Guimarães. Ou seja, depois da Polícia Federal e Ministério Público
fuçarem o email do blogueiro e não encontrarem nada, o juiz mandou que nenhum
dado referente à comunicação eletrônica fosse usado.
Ora,
não vão usar nada porque não encontraram nada!
Assim
como não encontraram nada, até o momento, contra Lula, cuja prisão, ou
inabilitação política, é a obsessão única de Sergio Moro, a razão pela qual as
elites plutocráticas entregaram tanto poder em suas mãos. Ele está nervoso
porque o tempo está passando e até agora não encontrou nada. Seu prazo está
quase se esgotando.
Sergio
Moro não é de confiança. Ele manteve Eduardo Guimarães como investigado, “pelo
suposto embaraço à investigação pela comunicação da decisão judicial sigilosa
diretamente aos próprios investigados”, o que é uma acusação ridícula, porque
Eduardo não é agente público, e não tem a mínima obrigação de colaborar com a
polícia política de Sergio Moro. Tendo aceitado Eduardo como jornalista, é uma
acusação que não se sustentará por muito tempo.
Entretanto,
a parte do despacho que mostra, em sua inteireza, a mediocridade moral de
Sergio Moro é quando ele procura humilhar Eduardo Guimarães ao afirmar que o
“investigado” teria declinado o nome da fonte, coisa que “nenhum jornalista de
verdade o faria”.
Sergio
Moro faz um juízo de valor mesquinho, covarde, maldoso. Eduardo Guimarães não
tem experiência como jornalista, porque nunca trabalhou numa redação. E foi
coagido a falar sem a presença de um advogado. O despacho de Moro é
particularmente covarde porque os agentes, ao falarem com Eduardo, já tinham
tido acesso a seu sigilo telefônico, quebrado por Moro, e identificado a fonte.
Essa
quebra de sigilo foi criminosa, porque Eduardo Guimarães foi reconhecido, pelo
próprio Sergio Moro, como jornalista.
Talvez
o próprio Eduardo não tenha consciência clara disso, mas ele foi vítima de uma
repugnante tortura psicológica.
Não
foi Sergio Moro que foi acordado às seis horas da manhã com agentes armados
esmurrando sua porta, revirando seu apartamento, pegando seu celular e seu
computador, o celular da sua mulher, e impedindo-o de se comunicar com seu
advogado.
Não
foi Sergio Moro que foi humilhado perante seus vizinhos e trabalhadores de seu
edifício, com uma condução coercitiva ilegal, que em alguns sentidos é pior,
pensando bem, do que um sequestro perpetrado por bandidos.
Um
sequestro relâmpago atinge o seu bolso, mas não a sua honra.
Ao
invés de pedir desculpas, Sergio Moro desce o mais baixo possível na escala da
baixeza moral e insulta Eduardo Guimarães!
Ora,
um juiz “de verdade” nunca tripudiaria das desgraças que ele mesmo inflingiu a
um cidadão brasileiro, residente num pequeno e modesto apartamento no centro de
São Paulo, pai de quatro filhas mulheres, incluindo uma menina muito doente, a
qual Eduardo Guimarães dedica um amor tão profundo e comovente, que contaminou
todos os seus leitores e colegas de blogosfera.
Estamos
sempre preocupados com a saúde de sua filha. Foi a primeira coisa, aliás, que
pensei, quando soube deste odioso sequestro de Eduardo Guimarães: meu Deus, e a
Vitória, e se ela perceber e passar mal, o que acontecerá? Será que os brucutus
reviraram o quarto dela também?
Tenho
certeza que Vitória foi um dos pensamentos obsessivos de Eduardo Guimarães
enquanto era conduzido coercitivamente à polícia, sem saber do que estava sendo
acusado. Será que Sergio Moro vai me encarcerar por anos a fio, como fez com
tanta gente, inclusive muitos inocentes, talvez tenha pensado Guimarães?
Quem
cuidará da minha querida Vitória, seguramente perguntou-se o nosso blogueiro.
Provas?
Ah, não nos façam rir. Desde quando a Lava Jato precisou de provas para prender
alguém?
O
insulto de Sergio Moro a Eduardo Guimarães deveria valer uma severa representação
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), seguido de uma pesada indenização
pecuniária, vinda do salário de Sergio Moro e não do erário, a Eduardo
Guimarães.
Quem
é você, Sergio Moro, para definir quem é “jornalista de verdade” ou não, ainda
mais num despacho judicial?
Sergio
Moro goza de todas as glórias do mundo. É um personagem rodeado de riquezas,
bajulações e poder. Um Golias inflado com tanta vaidade que vai às redes
sociais agradecer o apoio que recebe da “totaliade” do povo brasileiro – e que,
em seguida, manda apagar todas as milhares de críticas que recebeu.
Pertence
a uma casta que ganha mais de um milhão por ano. Um contracheque recente, que
vazou nas redes sociais, mostra um rendimento superior a R$ 100 mil em apenas
um mês.
É
o queridinho da Globo e das elites do dinheiro. Nas manifestações de rua,
senhoras ricas desfilam com faixas em seu apoio, ao lado de outras senhoras
portando cartazes que perguntam: por que não mataram todos em 64?
Eduardo
Guimarães é um vendedor de autopeças que trabalhava, nas horas vagas, como
jornalista, movido puramente por idealismo, sem ganhar anda. Ao contrário,
investe seu próprio dinheiro no blog, com o fito de combater a manipulação
diária da grande mídia nacional. A violência de Sergio Moro contra ele
prejudicará, evidentemente, o seu trabalho como comerciante, tornando sua vida
ainda mais difícil.
A
parte do despacho (na verdade, citação de despacho anterior do próprio Moro) em
que ele justifica a sua violência pela “informação em destaque, embora
ultrapassada, de que o titular seria candidato a vereador para a cidade de São
Paulo (PCdoB) revela uma maneira estranha de raciocinar!
O
que tem isso? Eduardo Guimarães pensou que o Brasil fosse uma democracia, e que
seus magistrados conhecessem a Constituição. Um jornalista pode se candidatar,
perder as eleições e depois voltar a ser jornalista. Não é isso que se pede aos
políticos, que não sejam políticos profissionais?
Se
se pede que políticos não sejam profissionais, então é de se supor que eles
precisem ter outras profissões. E que estas profissões sejam respeitadas!
Sergio
Moro sabia perfeitamente bem que Eduardo Guimarães era um blogueiro conhecido e
querido junto a um determinado campo político.
Todos
os sinais à disposição de Sergio Moro mostravam, além disso, um blogueiro vulnerável,
frágil.
Por
isso mesmo a violência contra Eduardo Guimarães nos chocou tanto.
Foi
uma ação inacreditavelmente covarde!
A
Lava Jato está babando sangue para pegar blogueiros, porque entendem que eles
são a ponta-de-lança das críticas, justas, necessárias, vitais, que setores
crescentes da sociedade fazem aos arbítrios repugnantes que a operação
protagoniza.
Sergio
Moro, ainda justificando o seu recuo, menciona a crítica que recebeu de
“jornalistas respeitáveis”. Ora, em se tratando da Lava Jato, os blogueiros são
infinitamente mais “respeitáveis” do que a grande maioria dos jornalistas da
grande imprensa, que dão um tratamento sabujo, acrítico, à operação.
Toda
aquela história de jornalismo “crítico ao poder”, que a mídia gostava de
repetir ao longo do governo Lula, para justificar o seu jornalismo político de
guerra e a sua “propaganda política” diária e incessante de oposição,
desaparece misteriosamente quando o poder é a Lava Jato, o autoritarismo
judicial e a própria mídia.
Quanto
ao outro insulto, de que o blog Cidadania faz “propaganda política”, essa foi
justamente umas das razões pelas quais Sergio Moro foi derrotado.
Diante
de uma mídia tão profundamente partidária e parcial como a nossa, justificar a
agressão a um blogueiro dizendo que o seu trabalho fazia “propaganda
político-partidária” é o cúmulo da hipocrisia.
Se
o argumento for esse, então Eduardo Guimarães faz o jornalismo mais honesto de
toda a imprensa nacional, porque é o único que sempre demonstrou total
transparência em relação às suas preferências políticas e partidárias, o que
não se pode falar do jornalismo dito corporativo, que procura disfarçar o seu
partidarismo radicalizado com o mais abjeto cinismo.
Sergio
Moro esteve, recentemente, numa premiação da Revista Istoé, que elegeu Michel
Temer como “Homem do Ano”.
Sergio
Moro estava lá.
Todos
o viram.
Confabulando,
aos risos, com Aécio Neves, presidente nacional do PSDB.
O
que Sergio Moro fazia lá?
A
Istoé, para Sergio Moro, faz um “jornalismo respeitável”?
É
“respeitável” dar prêmio de Homem do Ano para Michel Temer, que traiu sua
companheira de chapa de maneira sórdida, que tem aprovação abaixo de zero, e
que tem patrocinado, segundo inúmeros cientistas sociais, economistas e
“respeitáveis jornalistas”, o maior retrocesso social da nossa história?
É
respeitável Sergio Moro, em meio a uma grande investigação que envolve tantos
aliados de Michel Temer, estar presente num evento desses?
O
justiceiro da Globo, neste episódio do Eduardo Guimarães, foi miseravelmente
derrotado, e pelo mais vulnerável e ingênuo dos blogueiros progressistas.
Voltando
ao historiador do futuro, eu o imagino, neste momento, dando um sorriso
malicioso, ao ver que, por alguns dias, o pequeno e frágil David da blogosfera
derrotou o Golias da mídia.
Esse
historiador, penso eu, seguirá lendo as narrativas de nosso tempo com mais
vontade, e torcendo, evidentemente, pela derrota final do autoritarismo!
A
ele, portanto, eu me dirijo. Tenha paciência, meu caro, não largue a leitura
agora. Continua nos estudando e você verá que todos esses autoritários que hoje
riem da desgraça do povo brasileiro, mais fragilizado do que jamais esteve em
muitos anos, serão esmagados.
Todo
o sofrimento infligido à população, iremos cobrá-los, com os mesmos pesados
juros com que eles nos escorcham hoje.
As
nossas pequenas vitórias são grandes vitórias, enquanto as grandes vitórias
deles são sempre mesquinhas, pequenas, baixas.
Essa
é a matemática que, mais dia menos dia, nos levará a virar o jogo.
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