Rolando Valcir Spanholo é um dos dois gaúchos que passaram
em concurso federal para magistrado, em total de 58 aprovados.
Este 1º de junho será lembrado por Rolando Valcir Spanholo como
um dos mais importantes dias de sua trajetória. Aos 38 anos, após ter
trabalhado como borracheiro, costureiro e vendedor ambulante em Sananduva, no
norte do Estado, ele se torna, hoje, juiz federal substituto em Goiás.
Pelo exemplo de determinação, a história do agora magistrado
sensibilizou o país no início do ano, quando ocorreu a posse no Tribunal
Regional Federal (TRF) da 1ª Região (Brasília). Após ter participado do
Encontro com Fátima Bernardes, na Rede Globo, Spanholo viu sua caixa de e-mail
lotar. Eram pedidos e mais pedidos de entrevista — dos quais declinou
educadamente.
Rolando
não é de se expor. Por isso, foi bem claro em relação aos motivos que o levaram
a conversar com a ZH: divulgar sua história poderia ser importante para motivar
os gaúchos, uma vez que, entre os 58 aprovados no concurso para juiz federal,
somente dois eram do Estado.
Dias
depois, o homem de voz tranquila e sotaque ainda carregado atendia ao
telefonema da reportagem. Contou seu percurso desde a infância na pequena
Sananduva, município de 15 mil habitantes a cerca de 400 quilômetros de Porto
Alegre. Terceiro de cinco irmãos, filhos de pai borracheiro e mãe costureira,
Spanholo começou a trabalhar aos nove anos na oficina do pai.
Lavava
carro, limpava cabine de caminhão e fazia pequenos reparos em pneus. Foi
principalmente por necessidade da família que o menino se comprometeu logo cedo
com a rotina de gente grande — da qual se lembra com orgulho.
Mais
tarde, trabalhando no ramo das confecções junto à mãe, Spanholo seguiu o
exemplo dos outros irmãos e, com crédito educativo, também foi fazer Direito na
Universidade de Passo Fundo (UPF). Quando tinha 17 anos, seu dia começava às
7h, percorrendo a região oferecendo cortinas e lençóis de porta em porta. Ao
fim da tarde, tomava um ônibus rumo à faculdade — percurso de cerca de 250
quilômetros. Retornava após a uma da madrugada.
—
Sempre fui um aluno mediano. Me esforçava, mas tinha limitações de tempo. Na
viagem até Passo Fundo, dormia 15 minutos e depois estudava até chegar na
universidade. No retorno, era a mesma coisa. Acho que por isso tenho esses
quatro graus e meio aqui em cima do meu nariz: por conta de estudar dentro do
ônibus — conta.
Novo rumo começou por
sugestão de professor
Pode até ter caído no mundo das leis por seguir os irmãos. Pode
só ter dado conta do recado com a ajuda de colegas. Mas foi por esforço próprio
que, ao fim da faculdade, foi reconhecido.
—
Por que não te inscreves no concurso para a Escola Superior de Magistratura
(Ajuris) na Capital? Tens o perfil calmo e de raciocínio lógico —
disse um professor.
Após
formado, em 1998, encarou a sugestão do docente como desafio. E foi
selecionado. Nesta época, já pai, Spanholo passava a semana na Capital. Na
sexta-feira, após o meio-dia, pegava o trecho até Sananduva, onde dividia o
tempo entre a mulher, o filho de seis meses e alguns serviços no escritório de
advocacia do irmão. Quase desistiu. Estava longe da família, o curso era caro,
ele não tinha dinheiro — talvez desculpas para um pensamento que o
perseguia:
—
Fiz a faculdade para ser advogado, nem tinha passado pela cabeça a ideia de que
teria condições de um dia ser juiz. Tinha o sentimento de que era preciso uma
boa base familiar, em questão financeira.
Reconhecendo a situação de Spanholo, um colega o convidou para
dividir apartamento, sem custo algum. Era o fôlego de que precisava. Concluiu o
curso e prestou concurso para ser promotor, juiz do trabalho, procurador, juiz
estadual... Acabou sempre no “quase”, virando praticamente um especialista em
calcular as notas de cortes das provas objetivas de concursos.
Quando a mulher iniciou a faculdade, por questão de tempo e
dinheiro, adiou o que havia se tornado sonho: ser juiz. Focou na carreira como
advogado em Sananduva, que perdurou os últimos 15 anos — oito deles sem pensar
em prestar provas. Até que, em sua cidade, assumiu uma juíza que havia estudado
com ele na Ajuris. Ela o motivou a seguir tentando.
Spanholo somou 200 kg de cópias durante os quatro últimos
anos de estudos.
Retomou
a pilha de cópias de material de estudo (que chegou a pesar 200 quilos de
papel) e prestou mais de 20 concursos entre 2010 e 2014. A rotina incluía
dormir pouco, abdicar de parte da vida social e trabalhar muito. Para superar o
esgotamento emocional, o concurseiro passou a assistir a vídeos motivacionais
na internet. E foi sentindo que, cedo ou tarde, o objetivo seria cumprido:
—
Como o processo do levantar e cair, do reprovar e superar, você vai moldando a
sua personalidade, tendo serenidade. E começa a sentir que a hora está
chegando. Aquele sentimento de incapacidade vai dando lugar a algo mais
concreto. Então, quando você finalmente vê o seu nome lá, você acaba se
emocionando. Passa um filme das privações. Mas eu faria tudo de novo.
No
mesmo dia em que soube que havia sido aprovado como juiz, Spanholo acompanhou o
filho na matrícula no curso de Direito na UPF — ali onde tudo se iniciou. Foi
empossado no TRF1, em Brasília, passou por quase um semestre de formação e hoje
passa a decidir como juiz substituto na 1ª vara de Anápolis. Se tem próximos
planos? Sim, os mesmos: ser um bom juiz, com toda a bagagem que a vida o
emprestou:
— O cidadão forma a sua bagagem intelectual, mas não muda a
sua trajetória. E se ele se esquecer dela, pode ser que ele até entre em uma
zona perigosa, que oferece brecha para abusos. Todos somos passíveis do erro,
mas jamais conseguirei olhar um processo sem ter o raciocínio de quem vivenciou
a dificuldade. Quem aprendeu a ser vendedor de porta em porta sabe tratar bem
as pessoas. Isso fica.
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